9 cães 'passam' em vestibular e ganham diploma de cão-guia


Nova fase de projeto do Sesi-SP começou com 32 cães. Nesta quarta (16), beneficiados começam vida nova com companheiros.

Emma, Hillary, Ilka e Frontier integram um grupo seleto de cães que superaram um vestibular rigoroso. Entre 32 filhotes, eles integram a matilha dos nove selecionados para dar liberdade, velocidade e autonomia a cegos do Projeto Cão-Guia Sesi-SP. Nesta quarta-feira (16), trabalhadores da indústria ou seus parentes receberão oficialmente a companhia dos labradores. 

Da esquerda para direita, o encontro de cães e seus donos: Daniel Costa e Frontier,
Ricardo Pedroso e Emma, Mellina Hernandes Reis e Hillary, Rafael Fortes Braz e
Ozzy, Gilberto Jr. e Ilka. (Foto: Marcelo Brandt/G1)



O projeto é uma novidade no Brasil, que tem apenas 60 cães-guia atualmente - a maior parte deles importados. Entretanto, antes dos nove calouros, três outros cães treinados pelo Instituto Íris já foram entregues a seus donos. “Minha relação com ele é tudo. Ele é um filho, um pai. Eu preciso estar bem para ele estar bem”, disse Rafael Fortes Braz, de 32 anos, dono do golden retriever Ozzy, da primeira "leva" do projeto.

Ozzy e mais quatro de seus colegas "calouros" participaram, a convite do G1, de um passeio-teste pela Avenida Paulista na tarde desta segunda-feira (14). Os novatos ficaram claramente animados ao rever os colegas de vestibular e não se seguraram na hora da festa. O golden, veterano, já se mostra mais seguro. Brinca quando o dono libera, mas volta rapidamente para o seu posto.

O sorriso que Braz exibe há seis meses ao lado de Ozzy passou a ser rotina para o novo grupo há cerca de 4 semanas. “Tem um mês que eu estou com a Hillary, então tudo é ainda novo para ela”, explica Mellina Hernandes Reis, de 30 anos, dona de uma labradora. A adaptação é importante para cães, que precisam aprender os hábitos e prestar obediência aos donos. Mas, a fase de testes é importante também para os humanos.

“Você tem que aprender a confiar totalmente no cachorro. Com a bengala você tem a sensibilidade do lugar, mas com o cachorro ele faz isso por você. Muitas vezes eu nem sei do que ela está desviando”, conta Gilberto Júnior, de 31 anos, dono da labradora Ilka.

A diferença incomparável entre a sensibilidade do cão e o apoio de uma simples bengala é apontada por todos os novos beneficiados pelo projeto. “Com a bengala a gente precisa achar as coisas para desviar e depois tomar novas decisões a partir daí. A Hillary já vê o obstáculo e calcula para onde vai”, explica Mellina. “Eles dão mais independência, mais autonomia”, completa.
E não é só isso. Segundo os outros participantes do projeto, os cães dão mais velocidade, também, e são capazes de desviar de obstáculos “aéreos”, como orelhões e galhos de árvores, por exemplo. Rafael Fortes Braz conta, orgulhoso, que consegue fazer em 20 minutos, com um cão bem treinado, um percurso que normalmente faria em uma hora com a bengala. 

A relação deste grupo de cegos com o espaço urbano mudou. A relação deles com as pessoas da cidade, também. “Quando a gente anda com a bengala a pessoa assusta, acha que somos coitados, tem gente que tem preconceito. E quando você está com o cachorro muitas vezes nem percebem que eu tenho deficiência de visão, só acham bonito o cachorro, acham bonito os dois passeando. Depois vão ver que ele está com equipamento, vão entender que é um cão-guia e aí acham bonito o trabalho”, diz Rafael Fortes.

Os cães-guia são companhia constante do dono. Por isso, eles têm direito a entrar em todos os lugares aos quais o dono tem direito. Metrô, ônibus e quaisquer locais públicos inclusive. 

O acesso ao transporte público tem sido “tranquilo” nesse primeiro mês, segundo os participantes do projeto. “Às vezes vem um funcionário da estação e acompanha a gente até a entrada, ajuda a gente”, conta Gilberto. Para todos eles, a cidade fica menos ameaçadora com a companhia canina ao lado.

Preparo e treinamento
Não é fácil ser um cão-guia. Dos 32 filhotes entregues a diferentes famílias para a etapa de socialização, apenas 9 se formaram. Eles tinham que ter certas características, como ser dócil, obediente e controlado em situações típicas do cotidiano de grandes cidades como São Paulo, Santo André, São Bernardo e Mogi das Cruzes, onde vivem os atendidos pelo projeto.

“Esses cães conseguiram fazer tudo que precisa ser feito para levar cada uma dessas pessoas em segurança para todos os destinos que eles precisam”, resume o treinador Moisés Vieira Jr., do Instituto Íris. 


No primeiro ano de vida, os cães ficaram com as famílias voluntárias que se comprometeram a socializar o animal nas mais diversas situações. Pela regra, os filhotes não podem ficar sozinhos por longos períodos de tempo e têm de ser acostumados a andar no transporte público.

Depois, eles passam por um treinamento que pode durar de seis a oito meses. É com os adestradores do Instituto Íris que aprendem como ajudar seus futuros donos a se locomover pela cidade. Os filhotes que passarem por todas essas fases partem, então, para a última: o convívio de um mês com os deficientes visuais com quem vão viver.

A prova final é difícil de passar, e é eliminatória: eles têm de ter uma personalidade que combine com a dos futuros donos. Quando perguntada o que fez de Hillary uma vencedora no difícil processo seletivo, Mellina não tem dúvidas: "A Hillary é ansiosa como eu, é apressada igual a mim", ri.

"A Ilka está comigo porque é muito ativa, precisa de alguém forte para controlar essa aí", conta Gilberto. Já Ricardo Pedroso não tem dúvidas do porquê a labradora Emma passou no vestibular para ser sua cão-guia: "A Emma? É porque ela é muito bonita e o dono também tem essa característica".
Os nove filhotes que passaram pelas três fases agora vão oficialmente viver suas vidas como os olhos de seus novos donos. “Mudou a minha vida, mudou tudo e para muito melhor. Não dá para falar que mudou 100% porque é muito mais, não dá para mensurar”, diz Rafael, que não esconde seu amor pelo cão que já é parte da família.

Aposentadoria
Os cães-guia não podem trabalhar em idade avançada. Depois de oito a dez anos, chega a hora de se aposentar. “Esses animais estão 24 horas por dia com os donos, é uma relação que não tem igual, nem com filho. Dono e cão nunca se distanciam”, explica o treinador Moisés.

O resultado é que a decisão de o que fazer com o cachorro aposentado se torna extremamente pessoal. “Tem gente que decide voltar à bengala até o cão morrer para só depois pegar outro; alguns doam o cachorro idoso para membros da família”, conta.

A história costuma ter final bem feliz, segundo Moisés. “Tem um rapaz, por exemplo, que aposentou o cão dele e agora está treinando o segundo. Nesse caso, o cão ficou com os pais dele, em um sítio. Está lá curtindo a aposentadoria”.



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