Depois do táxi, agora são as ‘caronas’ que chegam aos apps

Um dos modelos é do recém-lançado Zaznu, que agenda corridas informais pagas e já irrita taxistas.

No princípio era o táxi. Aplicativos de celular para chamar amarelinhos proliferaram no ano passado, seduzindo passageiros e incomodando cooperativas. Agora, a nova onda de soluções móveis para o trânsito tenta contornar taxistas por completo em busca de objetivo mais ambicioso: convencer motoristas a aderirem, de vez, às caronas.

Cabe mais um? Ao volante, Yuri Faber, criador do Zaznu: pagamento é voluntário, ele diz, mas taxistas ameaçam ir à Justiça Leo Martins / O Globo


Um dos modelos é inspirado em softwares que fazem sucesso - e barulho - em cidades como San Francisco e Nova York, a exemplo de Uber e Lyft. A primeira experiência do tipo no Brasil atende pelo nome de Zaznu (gíria em hebraico equivalente ao nosso “partiu?”) e escolheu o Rio para sua estreia, em março.

Por meio do app, donos de smartphone podem solicitar e oferecer caronas a desconhecidos. Tudo começa com o passageiro, que aciona o programa para pedir uma carona. Com base na localização e no perfil da pessoa, motoristas cadastrados que estiverem nas redondezas decidem se topam ou não pegá-lo. Quando a carona é aceita pelo motorista, os dois conversam por telefone para combinar o ponto de encontro.

Para garantir a segurança dos passageiros, o Zaznu diz entrevistar os motoristas cadastrados, além de checar antecedentes criminais. Já os passageiros precisam registrar um cartão de crédito, uma vez que as caronas são pagas.

É justamente por não ser gratuito que o app desperta polêmica. Tão logo surgiu, taxistas abriram a página no Facebook “Zaznu, a farsa da carona solidária”, que denuncia “o crime que é oferecer serviço de transporte em carro particular”, explicou o criador do grupo, Allan de Oliveira. O sindicato da categoria no Rio concorda.

- É uma irregularidade, e iremos à Justiça se for necessário. Mas temos certeza de que a prefeitura vai detê-lo - disse o diretor José de Castro.
No entanto, procurada ao longo de duas semanas, a secretaria municipal de transportes do Rio não se manifestou.

Em sua defesa, Yuri Faber, fundador do Zaznu, alegou que o aplicativo não constitui um serviço pago de transportes porque seus termos de uso classificam o pagamento como doação opcional. A sugestão de preço equivale a 80% do preço que seria cobrado por um táxi no mesmo trajeto. A Zaznu fica com um quinto do valor pago e o restante vai para o motorista.

- O passageiro tem todo o direito de decidir se paga, e quanto paga, ao fim da carona. O app só sugere um valor - justificou.

Segundo usuários, app ajuda a conhecer pessoas mas ainda é restrito
A polêmica é semelhante à gerada pelos similares Uber e Lyft em várias cidades do mundo. Avaliado em US$ 4 bilhões, o Uber já foi processado em diversas cidades americanas e ainda não há consenso sobre sua legalidade.

Jonas Lopes de Carvalho Neto, presidente da comissão de direito dos transportes da OAB-RJ, esclareceu que a questão ainda não chegou ao Judiciário, mas acrescentou que a interpretação da legislação permite enxergar irregularidade em aplicativos como o Zaznu. Ele citou o artigo 736 do Código Civil, segundo o qual só “não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia”:

- Em aplicativos onde qualquer pessoa se cadastra para oferecer carona e qualquer um pode usufruir dela, fica um pouco mais distante a caracterização de simples cortesia, ficando mais evidente uma prestação de serviço.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que regulamenta o transporte rodoviário interestadual, considera ilegal angariar passageiros em redes sociais e “em troca do transporte, cobra um valor a título de passagem”. Mas o órgão disse, em nota, que ainda debate “a melhor forma de se posicionar” diante do fenômeno.

Apesar da polêmica, já tem gente usando o Zaznu. O fotógrafo Vinícius Giffoni é um dos mais de 200 motoristas que o app diz ter cadastrado nas primeiras semanas. Ele se interessou porque trabalha na madrugada e costuma rodar a cidade com o carro vazio. O app seria uma oportunidade de complementar a renda e conhecer novas pessoas. Mas embora esteja gostando da experiência, Giffoni admite que as solicitações de carona tem sido raras.

- Moro na Tijuca, e por aqui pouca gente está usando o app. As pessoas também não associaram o Zaznu a uma opção de transporte para as horas de lazer, então é muito difícil receber um pedido de carona na madrugada - disse.

Jeizzon Mendes, que já pegou algumas caronas pelo Zaznu, contou que ainda é difícil conseguir um motorista no app porque eles são poucos. Mas o publicitário diz considerar o app cada vez mais como uma opção viável de transporte.

- Conforme for ganhando mais usuários, o app será cada vez mais uma alternativa real ao táxi ou mesmo ao ônibus, em trajetos curtos.

Amigo Carona não estipula pagamentos
O modelo do Zaznu não é o único. Lançado no segundo semestre de 2013, o Amigo Carona é uma plataforma em formato de app e no Facebook em que motoristas divulgam suas rotas. Quem quiser ir junto entra em contato com o motorista, que pode sugerir como ele espera que os gastos da viagem sejam divididos. Essas contribuições não passam pelo app, que sequer exige cartão de crédito.

Segundo a criadora, Elisa Batista, o Amigo Carona já tem mais 15 mil usuários cadastrados. Um deles é o universitário Felippe Souza, de 28 anos, que sai todas as manhãs de Itaipu, Niterói, em direção à Ilha do Fundão, onde estuda e trabalha.

- Na UFRJ existem vários grupos de carona isolados, mas o aplicativo consegue centralizar tudo em um só lugar. Atraio mais gente pelo app do que pelo Facebook - disse o estudante, que já deu carona para mais de 20 pessoas diferentes desde fevereiro.

Em troca da carona, Souza pede R$ 5 de cada passageiro para aliviar os custos com pedágio e combustível. Os caroneiros também economizam, pois gastariam pelo R$ 9 para chegar ao Fundão de ônibus.

- O ônibus é muito lotado, a barca não é suficiente. A carona é mais confortável, barata e ainda podemos ir conversando. Um amigo meu conheceu a namorada em uma carona - contou Renato Peixoto, 26 anos, que vai todos os dias com Souza.

Desconfiança sobre a disponibilidade da carona
Professora da Fundação Instituto de Administração (FIA), Regina Ornellas estudou o fenômeno do “car sharing” em sua dissertação de mestrado na USP. Embora não haja dados conclusivos sobre o efeito dessas iniciativas no trânsito, observa a pesquisadora, sistemas organizados de carona traz benefícios comprovados para a vida dos adeptos.

Além da óbvia redução de gastos - que atinge 50% para o dono do carro, segundo Regina - alguns estudos afirmam que veículos cheios dificilmente são alvos de assalto. Caronas também são mais rápidas e flexíveis que o transporte público, lembra Regina, o que explica seu apelo maior entre os mais jovens, que prezam essas vantagens.

- Mas sistemas de “car sharing” tem um grande desafio a vencer. As pessoas ainda duvidam que a carona estará disponível na hora que elas precisam - pondera Regina.

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