Adreles, o fenômeno pop da web que veio do Acre


Menina de 16 anos que virou hit na internet reconhece cantar mal
O Acre é o território de Adreles. Ou, se você preferir a certidão de nascimento, Adrielle Farias, de 16 anos, a dona do apelido que está fazendo sucesso na internet. Para os fãs que começam a surgir, a acreana de Rio Branco é mais conhecida como Adrielle Perry. O sobrenome foi emprestado de uma cantora famosa, de quem saiu a canção que acabou reciclada pela adolescente de vida simples, filha de um funcionário da Receita Federal e de uma pedagoga. Em poucos dias, a jovem de 1,55 metro decolou e chegou ao surpreendente e volúvel hit parade da web.
"Roar", sucesso de Katy Perry, virou, na letra e na voz de Adreles, "Acre". Guardadas as devidas proporções midiáticas, o vídeo com a versão da conterrânea de Chico Mendes para a canção da pop star americana, também se tornou um sucesso. Ou, como se diz na grande rede, um viral. Um viral na selva de pedra que os megabytes aproximam da Floresta Amazônica.
A repercussão do vídeo, feito com um tablet e postado no YouTube, surpreendeu a estudante do terceiro ano do ensino médio, de jeito tímido e fala mansa, que conversou com O GLOBO por telefone. Adrielle não fez rodeio:
- Não me acho uma boa cantora, sei que a minha voz soa horrível.
Difícil encontrar quem discorde da autocrítica bem sincera de Adrielle. Mas, apesar de reconhecer o pouco talento para o canto, a adolescente já ostenta nome artístico. Aliás, nomes. Adreles, pegando carona em Adele, foi dado por uma amiga. Adrielle Perry, veio de desconhecidos que a descobriram na web e se espantaram ao estar ao lado da estrela do clipe, na casa de um primo dela em Rio Branco.
- As pessoas já querem tirar fotos comigo nos lugares daqui aonde eu vou - disse Adrielle, que acabara de ser acordada pela ansiosa avó para falar com o GLOBO.
'Quanto mais tosco, melhor'
Mas como explicar o sucesso de uma jovem de 16 anos que tem noção de que canta mal? Não é muito difícil. Adreles é uma digna representante do "quanto mais tosco, melhor", uma fábrica de multiplicar cliques nos sites e nas redes sociais na web. Volta e meia um ilustre desconhecido é alçado à categoria de estrela instantânea da internet. Mas a acreana tem um trunfo que, provavelmente, vai diferenciá-la dos demais: ela não se leva a sério.
- O clipe é uma ironia, uma paródia, uma brincadeira. Eu adoro o Acre, e quis brincar com a imagem que as pessoas de fora fazem do estado. Na letra eu falo que sou índia, mas não tenho qualquer origem indígena. Só que todo mundo pensa que só tem índio aqui - contou ela, que criou uma produtora fictícia para despejar os seus vídeos na web, a Gagalicious, em homenagem à sua grande referência musical. Não, não é a outra Perry! O Olimpo pop na versão de Adreles é comandado pela deusa Lady Gaga.
Na verdade, o clipe é recheado de passagens que mostram uma Adrielle descalça bem integrada ao seu habitat de clichês, com florestas densas e rios caudalosos. "Pulo com os macacos, nado com o boto-cor-de-rosa", canta a acreana. Mas a realidade dessa ecológica "Jane", como ela se define na canção, é bem diferente:
- Já vi macacos, claro. Mas nunca pulei com eles. E nunca nadei com um boto-cor-de-rosa. Mas todo mundo acha que isso é a coisa mais comum por aqui. As pessoas fazem os comentários mais absurdos sobre o Acre. Chegam a me perguntar se existe tigre aqui.
A recorrente curiosidade alheia sobre o felino nada amazônico foi a deixa para que Adreles recoclasse os versos famosos de Katy Perry e escrevesse: "Eu tenho olho de tigre, lagarto, cobra e macaco. Sou a sereia Iara e você vai ouvir o meu Acre". O cadinho cultural e gastronômico prossegue, em métrica saltitante, com referências a tucupi, curupira, tacacá... sob a direção e a filmagem de uma equipe composta pelo pai, Francisco Carlos, pela tia Filomena e pelas irmãs Yasmin e Arielle.
Adrielle faz parte da quarta geração de uma família de cearenses que foi tentar a sorte no rincão selvagem mais a oeste do Brasil. A despeito do sucesso, a adolescente acredita que a floresta é muito pequena para ela. O que o futuro a reserva ainda é uma incógnita. A acreana sequer sabe que carreira seguirá. Compatível com a idade, ela flecha algumas possibilidades: jornalismo, arquitetura e artes cênicas.
Artes cênicas!? Sim, se o talento para a música está praticamente descartado e sepultado com a performance de "Acre", a carreira de atriz seduz Adrielle. No clipe, a acreana dá uma amostra do que pode fazer na arte de representar. Há uma cena antológica em que a cantora é assaltada por um menino com a metade do seu tamanho, interpretado pelo seu irmão Carlos Alexandre, de 6 anos, em um parque. É, não está fácil para ninguém! Nem no Acre!
- Eu amo o Acre. Não quero sair daqui por enquanto. Devo fazer faculdade em Rio Branco e, depois, tentar a vida em outra cidade. Quem sabe não viro atriz? - comentou.
Seduzida pelo Rio
A "outra cidade" parece já ter nome: Rio de Janeiro. Quando assistiu a um show de Lady Gaga, em 2012, na Cidade Maravilhosa, Adrielle ficou encantada. Com a acidentada geografia carioca, a adolescente traçou um paralelo ao seu decantado Acre, cujo território foi comprado da Bolívia em 1903.
- O Rio me seduz muito. Fiquei maravilhada quando visitei a cidade. Não vejo a hora de voltar. Gostei muito das favelas. Ainda mais à noite, com as luzes acesas. As pessoas ignoram as favelas. É mais ou menos o que acontece com o Acre. Deu vontade de conhecer mais a fundo as comunidades, conhecer a cultura delas, conversar com as pessoas. Só assim a gente pode conhecê-las de verdade e acabar com o preconceito e as ideias erradas que a gente tem. A gente precisa sempre ouvir o outro lado - declarou.
Mas existe um outro lado que está causando grande dor de cabeça a Adrielle. A fama repentina trouxe uma pororoca de críticas dos nativos que mais se levam a sério e a acusam de disseminar o preconceito contra o Acre.
- Tenho recebido várias mensagens desagradáveis nas redes sociais. Tem gente que escreve: "Ih, ela está achando que é cantora!" Outras pessoas me ofendem, dizem que estou ridicularizando a imagem do estado e são até perversas. Uma delas escreveu: "Espero que você grave outro clipe no Rio Acre e se afogue lá!".
Bom, a quem interessar possa, o próximo trabalho da Gagalicious deverá ser uma paródia de alguma canção de Lady Gaga. O verde Acre, novamente, será o cenário de Adreles. Sem afogamento, espera. Ela sabe que desafina, mas admite que, se um produtor conseguir a mágica de consertar a sua voz no estúdio, por que não se levar mais a sério, ampliar o horizonte e cantar do Oiapoque ao Chuí?
- Nunca se sabe, né? Não posso fechar as portas.